quinta-feira, novembro 30, 2006

O TRANSCENDENTE E O CINEMA
1º rascunho: Segundo Walter Benjamin, a capacidade de reproduzir uma obra de arte (implicando a perda da singularidade e do "aqui e agora") destruíu a sua aura. Mas será que o cinema não poderá reencontrar (e não reencontrou já?) essa aura perdida? Não pela restituição do que não se pode repor desaparecido para sempre mas por um caminho diferente: criando a distância necessária (uma lonjura, por muito próxima que esteja), afastando o que está perto, deixando-o respirar (é isto que Ozu faz nos seus planos vazios), colocando-o em relação com algo transcendente. A distância de que fala Cézanne. A distância que descobrimos em Godard ou nos filmes de Straub e Huillet ou ... Reparem bem nas palavras de Benjamin, quando ele diz "a aura desses montes", "a respiração deste ramo" — reconhecem a voz de Danièle Huillet/Cézanne? Tudo isto, parece-me, vira o cinema ao contrário, não para a modernidade (que se aproxima demasiado dos objectos) mas para o passado (que se afasta para ver melhor). O cinema caminha como o anjo de Benjamin? Sob as imagens da Odisseia de Fritz Lang (em Le Mépris ) lê-se: «Il cinema è un’ invenzione senza avvenire» (citação de Louis Lumière) — não podemos acrescentar que, em contrapartida, o cinema tem um passado esplendoroso por cumprir?

Cristina

sexta-feira, novembro 17, 2006

«ich habe genug» (bwv 82)

Para o Manel

Não é uma questão de lógica.
O milagre está muito para além
da pauta, a lenta melodia do oboé
desenhando uma arquitectura aérea.
Agora vejo a poeira suspensa na luz,
o apogeu do outono numa cidade
que se recusou a ser minha, as
armas serenas da tristeza. A voz
de Hans Hotter – tão escura, tão
funda, tão resignada – traz-me
ainda uma capitulação feliz.

José Mário Silva

terça-feira, novembro 14, 2006

Lisboa, Novembro de 2006

el corazón sin muros del poeta
Lisboa, Novembro de 2006

quinta-feira, novembro 09, 2006


A Revolução dos Caranguejos, 04:48, Arthur de Pince, 2004

Era uma vez uns caranguejos que só sabiam andar em linha recta. E se os caranguejos fôssemos nós, humanos?

terça-feira, novembro 07, 2006

A BELEZA
Não sei se a beleza nos salva, inclino-me mais para a frase de Kafka: "existe esperança mas não é para nós". No entanto, olhar para uma coisa muito bela proporciona um certo apaziguamento (ilumina a nossa noite, diz Benjamin) e isso é bom e justifica por si só toda a experiência. Por exemplo, contemplar os gestos de François Dervieux no filme les amants réguliers. Não me lembro de ter visto, nos últimos tempos, nada mais belo.
Cristina

THOREAU CONTRA A ESCRAVATURA
1. Justiça e consciência
Nao é desejável que se cultive o respeito pela lei, tanto quanto o respeito pela justiça. A única obrigaçao que tenho o direito de assumir é a de, em todas as alturas, fazer o que julgo justo. Afirma-se muitas vezes e com razao que uma corporaçao nao tem consciência. Mas uma corporaçao de homens conscientes é uma corporaçao com consciência.
Henry David Thoreau, A Desobediência Civil, trad. Manuel Joao Gomes, Antígona, Lisboa, 1987, p. 22
2. A práctica
O que mais importa nao é haver muitos tao bons como nós, importa, sim, que haja algures alguma bondade absoluta; bastará esta para que toda a massa seja levedada. Há milhares de pessoas que em teoria se opoem à escravatura e à guerra, mas que, de facto, nada fazem para que a escravatura e a guerra acabem. Pessoas que, dizendo-se filhos de Washington e Franklin, ficam sentadas, de maos nos bolsos, dizendo que nao sabem o que devem fazer, e nada fazendo(...) Por cada homem virtuoso, há novecentos e noventa e nove apoiantes da virtude.(...) Pode-se votar pelo que é justo sem se fazer nada pela justiça.
Idem, ibidem, pp. 28-29
3. Apenas o passo dum homem
...se apenas dez homens honestos, se até mesmo um só homem honesto, no Estado do Massachusetts, renunciando à posse de escravos, rompesse com as normas que o Estado impoe e se deixasse fechar na cadeia, o resultado seria a aboliçao da escravatura na América. Nao se olhe à pequenez desse primeiro passo: o que no princípio é bem feito, permanece bem feito para sempre. Mas nós preferimos a conversa, dizemos que é essa a nossa missao. A aboliçao[da escravatura] conta com grande número de jornais ao seu serviço, mas do que ela precisa é de um homem.
Idem, ibidem, p.38
4. A prisao
Pode alguém julgar que ali[na prisao] se perde influência, que a sua voz nunca mais molestará os ouvidos dos Estado, que nao conseguirá combatê-lo tanto como fora das grades; quem assim pense ignora que a verdade é muito mais forte do que o erro e que a injustiça pode ser combatida mais eloquente e eficazmente depois de ter sido sentida na própria carne.
Idem, ibidem, p. 39
5. Estadistas e legisladores
Os estadistas e os legisladores, estando como estao no interior das instituiçoes, nunca conseguem olhar para elas de forma nitida e clara. Falam da sociedade em mudança, mas nao têm, fora dela, onde assentar os pés. Podem ser homens de alguma experiência e com poder de discriminaçao, inventam sistemas engenhosos e até úteis, pelos quais lhes devemos estar gratos; mas todo o seu engenho e honestidade se ficam dentro de limites muito acanhados.
Idem, ibidem, p. 56
Mas a grande qualidade dele[Daniel Webster, autor da Lei dos Escravos Fugitivos] nao é a sabedoria, é a prudência.
Idem, ibidem, p.57

sábado, novembro 04, 2006

Porque nos é simpático Lobo Antunes?
(...)
Então por que nos é simpático o Lobo Antunes? Tento a minha explicação, nem psiquiátrica nem literária: trabalha muito com o livro que disputa à morte, vive, ama e sofre com ele, até chora com ele (tudo isto ele o disse e em tudo eu acredito). Terá chegado ao ponto em que ficou preso dentro do livro e já não consegue sair? Personagem de si próprio, na televisão lembra um fantasma. O mais grave: analisam-lhe a conversata e não lhe analisam os livros (é o que faço agora). E mais: comentam-lhe a conversa, rejubilam com o extra-literário e não topam a auto-ironia do homem, talvez porque ele a envolve numa timidez provocatória.
Filipe Guerra

quinta-feira, novembro 02, 2006

AGRADECIMENTO 1
A Galeria Sargadelos do Porto expressa aqui a sua gratidão à blogosfera pela sua colaboração no sentido de divulgar a exposição "Cartazes do Maio de 68", que se encontra patente naquele espaço, até 30 de Dezembro. Tem-no feito muitas vezes postando o press release e a fotografia de dois dos 35 cartazes que enviámos para todos os nossos contactos.

Por ordem alfabética: A Arquitectura das Palavras (Vítor Calé), Blocomotiva (site do Bloco de Esquerda), Dias Felizes (Rui M. Amaral e Cristina Marti), Errância (Lídia Pereira), Estudos sobre o Comunismo 2 (J.Pacheco Pereira), Incomunidade (Alberto Miranda), Pimenta Negra (?).
Obrigados a todos.

quarta-feira, novembro 01, 2006


When Poetry ruled the Streets, 08:35, Outubro de 2006

O video, que pode ser visualizado acima, é uma entrevista a Andrew Feenberg, professor de Filosofia da Tecnologia, numa universidade canadiana. Em finais dos anos 60, os seus professores aconselham-no a ir estudar para Paris, o centro da cultura à época, onde pôde presenciar e participar nos acontecimentos de Maio de 68. Dali, trouxe para os EUA, uma grande quantidade de documentos como jornais e revistas, que ele teve a generosidade de emprestar a uma biblioteca para ser digitalizado e, assim, colocado à disposiçao na internet, tal como esta entrevista.
Conta que estudou Herbert Marcuse, mas o que considerou verdadeiramente estimulante era a interrupçao das aulas pelos revolucionários. Surpreendeu-o o facto duma sociedade que aparentava tanta estabilidade, uma sociedade da abundância, dum instante para o outro ficar em polvorosa, com centenas de fábricas ocupadas e uma greve geral.
Refere-se também à violência desmedida da polícia, em particular a 10 de Maio, no Quartier Latin (a Noite das Barricadas) quer contra os estudantes e professores, quer contra os habitantes daquele quarteirao, que apoiavam a luta dos estudantes. Mostra a capa duma revista, com um cartoon em que aparece De Gaulle apoiando-se em muletas SS. Neste video podemos ver uma caricatura com Cohn-Bendit e De Gaulle, em que é representado o poder da inteligência a esmurrar o poder da força. Ou uma imagem em que é representada a CRS (polícia) de braço dado com a CGT (Confederaçao Geral do Trabalho), com a frase "A Revoluçao nao passará!"
Diz que a perseguiçao policial aos estrangeiros, fez com que ele tivesse que mudar de visual e viver escondido, até conseguir regressar aos EUA.
Um dia, numa reuniao de Estado, o presidente-general atira com a frase: "Reformes, oui. La chienlit, non!"(Reformas, sim. Palhaçada, nao!), a que ripostam os estudantes com "La chienlit, c`est lui!"
No genérico final, ouve-se uma voz, legendada, dizendo que a violência é a única soluçao para responder àqueles jovens que nao se integraram ainda no sistema.