terça-feira, março 20, 2007

VIVIMOS NO CICLO DAS EROFANÍAS

A poeta Yolanda Castano (n.1977) é directora da Galeria Sargadelos da Corunha, inaugurada no passado dia 9 de Março.

Em Abril de 1999, ela esteve no Porto com outros poetas galegos da nova geração (Olga Novo, Ana Romani e Rafa Villar) que se reuniram no Pinguim café. Recordo-me bem da forma admirável como ela leu os seus poemas. A seguir, a minha análise de um dos seus livros.

“Vivimos no Ciclo das Erofanías” (Espiral Maior, 1998), de Yolanda Castano é o registo poético duma relação entre adolescentes, em que o sexo é assombrado pelos fantasmas da culpa e da vergonha. No poema da pág.23, ele é comparado com o pecado da gula: “ambición de suxedade que incubamos sem vergonza/ unha gula insensata…” Ainda que não nomeada directamente, a gula é sugerida nas reiteradas alusões a comida, a cozinhar, “almorzar” e a beber ou ainda aos órgãos de regurgitação e mastigação (a boca, os dentes): “unha présa de dentadas co sentido feroz do que se comprace en esfamear/ e busco a desproporción como unha nocturna festa de vampiros”(p.18) ou ainda essa “bestial voracidade”.

Ao longo das suas páginas, a autora vai-nos dando indícios que apontam para a juventude dos seus actores, quer pela referência directa às suas idades (18 e 19 anos), quer pelas marcas psicológicas e comportamentais, típicas da adolescência: o egoísmo, os pactos (“o nosso dogma” )e a auto-marginalização, igualmente tão cara aos amantes: “somos antinormais” ou “nos recluimos num planeta a regalarnos (p.19)”.

Mas são os “lazos vandálicos”, que os trazem acorrentados um ao outro, naquela “devoción enfermiza” e pacto masoquista (que nos recordam as cantigas de amor, da Idade Média) que melhor dizem desta relação, como “as páxinas mais bárbaras”(p.39), porque intensamente vividas. A poeta reclama do seu amante uma “yolandalatria”, tornando nítida a posição de domínio vassálico sobre o seu “can consorte”(p.25): “mina pel de dezanove anos/ que ti borrabas con servicios, servidume i saliva.” (p.19)

A intensidade é-nos sugerida no livro, vezes sem conta, como uma “desproporción”, uma exuberância (“Precipitarmonos exhuberantes.”), uma violência (“a fame violenta do meu corpo// o intraxuste fero e único”(p.39) ou, ainda, o “descomedimento. A hemorraxia.”(p.26) que remete, de certa forma, para a ideia de pecado, como uma "transgressão" (Bataille): “o meu corpo coma Cálice/ e asi rebosa os rebordos, rabiosamente, gloriosamente//Com isto a natureza en desenfreo que te nutre/ Unha forza de caudais como droga da tua boca”(p.25); “O noso frenesí sen precedentes.”; “frecuentamos os vulcanos”(p.40), “Os recunchos basálticos”(p.19).

O fim da relação transforma-se em memória gramatical, em escrita, como esses inúteis imperativos do verbo ser, “sexa” ou “sexamos”, onde podemos adivinhar “sexo”: “Somos duas vocais/ formando un diptongo, duas/ coordinadas copulativas,/ ou eu o obxecto directo e ti o verbo transitivo.”(p.36)
André Martins