sábado, março 03, 2007

A DITADURA DOS MAIS BELOS
a propósito de Ségoulène Royal, candidata à presidência da Republica Francesa

Até agora, as mulheres têm vivido com o estigma dos 40 anos. Em Hollywood é até mais grave, os 30. O tic-tac do relógio biológico, as piadas das probabilidades de casamentos após os 40 serem mais baixas do que as de se ser vítima de acidentes variados e escabrosos, a discriminação inevitável quando todos os dias há meninas a fazer 19 anos e a oferecerem-se felizes para os seus ávidos admiradores, são pesadelos opressivos. A sociedade instalada no culto da beleza e da juventude, de modo obsessivo desde os anos 50, produz fornadas de solitários, indivíduos incapazes de estabelecerem relações de intimidade. Mulheres e homens não sabem o que fazer uns com os outros. E não conhecem quem ensine.

Paradoxalmente, reconhecer que uma mulher tem capital sensual aos 53 anos é pedagógico, libertador. Obriga a reorganizar os preconceitos e gera fenómenos de emulação, abrindo espaço para uma relação mais saudável com a mulher pós-40, reconhecendo-se nesta a legitimidade de uma afirmação integral da sua pessoa. O que pode também contribuir para a urgente demolição dos tabus que esmagam a terceira idade numa falsa segunda infância onde o sexo seria perigoso ou indigno. Ora, é precisamente ao contrário: sexo na terceira idade pode ser profiláctico, regenerativo e realizador da afectividade. Apenas depende da situação clínica de cada um, não da moralidade vexante.
Contudo, os tempos ainda são estes: estamos numa calicracia — o regime onde o poder é dado aos mais belos (do grego kalos, beleza). Segundo alguns, o fenómeno começou com Kennedy, o qual foi o primeiro político a ganhar umas eleições por causa da televisão. E há excelentes razões do foro antropológico e psicológico para se intensificar o processo. Os estudos revelam que esse tipo de discriminação positiva é norma no mercado de trabalho. E — todos o admitirão sem hesitar, para si próprios — é também esse tipo de discriminação positiva que cada um aprende a fazer na sua vida amorosa e sexual. Queremos possuir os mais belos, ser possuídos por eles, ou simplesmente aparecer ao seu lado e agarrar uma mísera oportunidade para debicar nas migalhas do banquete da beleza. Beleza (ainda por cima, para a humilhação ser completa no mundo dos feios) é sinal de saúde, de fertilidade. Irresistível o poder desse motor imóvel que é imago da eternidade.

Extraído de Aspirina B