Alguns poemas de amor, de Adília Lopes
Do livro "O Marquês de Chamilly", 1987
Uma das coisas
que Marianna mais detesta
é a publicidade
ao código postal
detesta o meio caminho andado
lembra-lhe o paradoxo
de Aquiles e a Tartaruga
meio caminho andado
meio caminho
e mais um quarto
andados às voltas
a torcer o lenço nas mãos
meio caminho e mais um
oitavo andados
a irma Octávia toma rapé
que desgosto
meio caminho e mais um dezasseis
avos andados
favos e aves que nojo
meio caminho e mais trinta
e dois avos andados
qualquer dia faço eu trinta anos
e assim por diante que raiva
*
Marianna que não gosta
de chantilly
passa a gostar de duchesses
a partir do momento
em que
chantilly lhe soa a Chamilly
Marianna rêvant
Marianna lembra-se
dos pés
ao voltar dos campos
vai buscar um alguidar
um jarro com água quente
e um sabonete de glicerina
ensaboa demoradamente
os pés
depois cruza as mãos atrás da nuca
e encosta-se muito para trás
na cadeirinha baixa
depois com a água morna
sonha
o marquês de Chamilly dá-lhe rosas
e doces de açúcar
de repente Marianna levanta-se
e vai-se deitar descalça
a ouvir Bach
a gata preta malhada de branco
entretanto vem
e lambe as sopas de peixe do pires
azul de esmalte
depois a gata cheira os pés de Marianna
e lambe-lhos
Do livro "Maria Cristina Martins" , 1992
Pois passara noites e noites a sonhar
que não se conseguia acabar de vestir
nunca
*
Ah quem me dera um vestido
que me queimasse
Ah quem me dera um vestido
que me queimasse
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