PRAZER E UTILITARISMO
Assisti, na passada sexta-feira, ao programa semanal da 2:, Câmara Clara, subordinado, dessa vez, ao tema Arte e Erotismo. Apresentado pela bonita Paula M. Pinheiro, teve, nessa noite, como convidado Alberto Pimenta. Sendo muito raras as aparições do poeta na televisão, procuro não perder essas preciosas oportunidades para escutar as palavras dum dos poucos livres pensadores portugueses. Ele faz-me lembrar, de certa forma, Rui Zink, que pauta as suas intervenções por uma grande lucidez, temperada pelo humor inteligente e ilustrando o seu discurso com exemplos muito interessantes (como é o dos figos, nesse programa). Esses homens estão, não tenho duvidas, do lado dos outros homens e da vida.
Logo no início de Câmara Clara, Alberto Pimenta comenta, desta forma, as palavras de apresentação: sou, em primeiro lugar, um homem e nada de humano me é estranho. E, nessa resposta, podemos adivinhar a linha de pensamento e de escrita do autor de O Silêncio dos Poetas.
Ao caracterizar Eros, como deus grego da vida e da criatividade, estabelece uma comparação com Cupido, representado, como sabemos, empunhando uma seta – símbolo de agressividade. O que não deixa de ser interessante, tendo em conta o espírito imperialista do povo que o venerou.
Quando a mão escreve/ executa, ela está emprenhada dos pensamentos e das emoções do sujeito que a utiliza, diz A. Pimenta, numa tentativa de aproximação à natureza do erotismo. Segundo ele, o mundo é uma luta permanente entre prazer e utilitarismo. Para melhor compreendermos o seu ponto de vista, lembro as forças antagónicas que Freud definiu em O Mal Estar da Cultura: o princípio do prazer e o principio da realidade, sendo este ultimo um poderoso obstáculo à afirmação dos desejos do individuo. Homólogos daqueles dois, faz sentido relembrar aqui também Eros e Tanatos, constituindo as pulsoes de vida e as pulsoes de morte. No entanto, penso que o conceito utilizado por A. Pimenta tem ainda um outro alcance. Dizemos que uma coisa é útil quando serve para, não se afirmando por si própria, ou seja, quando essa coisa (às vezes pessoa) está subordinada ao uso que outrem faça dela, para um fim exterior a ela (ela corresponde ao meio, ao instrumento). Poderíamos então dizer que a coisa (ou pessoa) utilizada “morre” no sentido em que o uso é atentatório da sua expressão autêntica como coisa autónoma ou como individuo. Neste ultimo caso, inclui-se, por exemplo, a pornografia.
A.M.
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