quarta-feira, setembro 06, 2006

Filosofia sem alma
Repito o que lhe disse: quando se perde humanidade, nao vale a pena ser filósofo; se viesse um deus à terra, embora o papel coubesse melhor a um demónio, e lhe trouxesse a verdade, mas com o encargo de lhe levar em troca o amor dos homens, nao deveria haver em si outra atitude que nao fosse a da recusa. Quando nos gelamos ao ponto de nao entendermos os outros, de nos afastarmos deles porque os julgamos, ou realmente sao, menos inteligentes ou menos cultos, ou se quer noutro plano, menos honestos, a filosofia só prejudica, só agrava a recusa, essa dolorosa separaçao entre o que vale e o que nao vale. Você, pelo que me parece, tem certos germes de afastamento: há, por vezes, no meio de todas as suas afabilidades, um certo tom superior, uma distância, uma reserva, que nao vem de você ser interiormente muito rico e se querer preservar; vem de um falso sentimento aristocrático, de uma vaidade que é tudo quanto você quiser menos filosófica e de um gosto de inteligência a que se nao une uma forte afectividade.
Temo que o hábito dos filósofos e a vantagem terrível de os perceber com clareza lhe agrave esses defeitos e nos traga daqui a uns anos um Luís impossivel, cheio de si e das suas pobres verdades, repulsor dos homens, dizendo amá-los, só às vezes tolerante(...)Entre as palavras e as ideias detesto esta: tolerância. É uma palavra das sociedades morais em face da imoralidade que utilizam.
Agostinho da Silva, Ibidem, pp. 59-60